Relógio de Fuso Inglês – ponteiro dos segundos central
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Relógio de Fuso Inglês – ponteiro dos segundos central
Ter 16 Fev 2021, 17:36
Saudações!
Venho apresentar-vos a minha última aquisição... e a mais recente "dissertação" escrita em tempo de confinamento, é para juntar à do Gruen 716 do ano passado .
Estamos no início do ano e isto já está a correr mal ... dois meses, dois relógios... e tinha eu dito que em 2021 iria ser mais poupadinho .
Então o que temos hoje aqui?
Como está explicito no título, um relógio de bolso inglês de fuso com ponteiro dos segundos em posição central; característica incomum num relógio de bolso embora não seja difícil de encontrar no mercado.
São vulgarmente conhecidos por "Relógios de Bolso Cronógrafos de Segundos Central para Médicos" (doctors central seconds chronograph pocket watch). Mais enganador do que isto é impossível.
Embora venha indicado no mostrador que é um cronógrafo (chronograph) de facto não o é, pelo menos segundo o conceito que utilizamos nos dias de hoje. Não possuí um ponteiro independente que possa ser iniciado, parado e zerado para medir um intervalo de tempo.
Apresenta na lateral um botão que possibilita a paragem do ponteiro dos segundos. Porém, o que esse botão faz é travar o movimento da roda do balanço provocando a paragem de todo o mecanismo. Por outras palavras, é apenas um sistema de "hacking" que permite sincronizar o relógio com precisão, o que seria muito útil em contexto militar ou navegação marítima, por exemplo.
Apresenta na lateral um botão que possibilita a paragem do ponteiro dos segundos. Porém, o que esse botão faz é travar o movimento da roda do balanço provocando a paragem de todo o mecanismo. Por outras palavras, é apenas um sistema de "hacking" que permite sincronizar o relógio com precisão, o que seria muito útil em contexto militar ou navegação marítima, por exemplo.
Por outro lado, também não é um relógio para médicos. Quer dizer, eles eram livres de os comprar se quisessem , mas não tinham nenhuma mais valia profissional com isso.
A marcação 0-300 no mostrador não é a escala de um pulsómetro (o que seria muito útil para um médico) e infelizmente também não é a de um taquímetro. Embora possa à primeira vista parecer que é um telémetro, experimentei todas as unidades possíveis (Km, milhas, milhas náuticas, etc.) e nenhuma batia certa com o valor da velocidade do som (≅ 343 m/s).
Telémetro
Depois de muito insistir e pesquisar cheguei à conclusa que, embora a escala 0-300 seja uma característica comum nos antigos cronógrafos marítimos ingleses, serve pura e simplesmente para indicar que o ponteiro dos segundos se move 5x por segundo… só serve para isso!!! Cada traço no anel exterior do mostrador representa 0,2s. Ficaria muito feliz se tivesse enganado e houvesse uma explicação alternativa.
---x---X---x---
O movimento, como foi dito, é o de um relógio de fuso que usa um sistema de chave (inserida na traseira do relógio) para acertar os ponteiros e dar corda ao mecanismo.
Tem uma interessante dedicatória na tampa anti-pó, mas isso fica para outro capítulo .
A máquina tem estampado o logótipo da Coventry Co-operative Watch Manufacturing Society (CCWMS) e tal como a caixa e o mostrador o número 50798.
É um relógio com 150 gr de peso e 56 cm de diâmetro. Possuí caixa em prata, construída por Charles Harris e Joseph Sharp, ambos da cidade de Coventry e punção da contrastaria de Chester, referente ao ano de 1882.
Fonte
Por agora é tudo.
Para quem estiver como eu, em confinamento forçado e com muito tempo livre, estou a ultimar os futuros capítulos deste tópico.
Através da pesquisa e da contextualização, vamos reactivar a alma deste relógio. Passá-lo da simples condição de objecto prático a peça de património.
Iremos falar da aurora e do crespúsculo da relojoaria inglesa, do nascimento do cooperativismo moderno,descobrir quem foi o primeiro dono deste belo instrumento, etc. .
Obrigado pela paciência e até breve!
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Re: Relógio de Fuso Inglês – ponteiro dos segundos central
Ter 16 Fev 2021, 18:07
Olá Squarewatch.
Relógio muito bonito, muito bem conservado. Excelente aquisição.
Ponho algumas dúvidas que seja um Relógio de fuso. Em que é que se baseia para fazer essa afirmação?
Relógio muito bonito, muito bem conservado. Excelente aquisição.
Ponho algumas dúvidas que seja um Relógio de fuso. Em que é que se baseia para fazer essa afirmação?
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Re: Relógio de Fuso Inglês – ponteiro dos segundos central
Ter 16 Fev 2021, 19:21
Olá Squarewatch.
Relógio muito bonito, muito bem conservado. Excelente aquisição.
Ponho algumas dúvidas que seja um Relógio de fuso. Em que é que se baseia para fazer essa afirmação?
Olá @floijdt .
Devo confessar que quando li a sua questão fiquei branco pelo embaraço, pois não tinha provas a não ser a palavra do vendedor. Mas já sabemos que não podemos confiar na palavra deles, também diziam que era um cronógrafo e um relógio para médicos e não é nenhuma das coisas... que naiff eu sou .
Devo confessar que quando li a sua questão fiquei branco pelo embaraço, pois não tinha provas a não ser a palavra do vendedor. Mas já sabemos que não podemos confiar na palavra deles, também diziam que era um cronógrafo e um relógio para médicos e não é nenhuma das coisas... que naiff eu sou .
Andei com o relógio de lado para lado, com uma lanterna a tentar estreitar por baixo da platina (acho que é o termo correcto) e não conseguia ver nada. Mas eu tinha cá um pressentimento.
Não sei se é impressão minha, mas a sensação que tenho é que dar corda a um relógio de fuso ou de "corda normal" é totalmente diferente. Acho o de fuso mais suave, até dá para sentir os elos da corrente a engrenar nos dentes.
Resumindo, tanto andei com o relógio de lado para lado que encontrei uma dobradiça que ainda não tinha reparado e que me permitiu dar uma espreitadela ao mecanismo.
E aqui está a corrente típica de um relógio de fuso.
Ainda bem que colocou esta questão, se não nunca teria reparado na pequena dobradiça.
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Re: Relógio de Fuso Inglês – ponteiro dos segundos central
Ter 16 Fev 2021, 19:52
Ok. Está esclarecido.
É muito raro um relógio de finais do século XIX ainda ter um enrolador de fuso e não um tambor.
O sistema de fuso foi muito utilizado durante os séc. XVII, XVIII e início do XIX.
É muito raro um relógio de finais do século XIX ainda ter um enrolador de fuso e não um tambor.
O sistema de fuso foi muito utilizado durante os séc. XVII, XVIII e início do XIX.
- JPP
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Re: Relógio de Fuso Inglês – ponteiro dos segundos central
Ter 16 Fev 2021, 22:33
Ok. Está esclarecido.
É muito raro um relógio de finais do século XIX ainda ter um enrolador de fuso e não um tambor.
O sistema de fuso foi muito utilizado durante os séc. XVII, XVIII e início do XIX.
E foi por causa dele e da marca que conseguiste datar o meu J. Girod de 1840 a 1870! Informação pela qual te fico bastante grato @floijdt, pois não fazia a mínima ideia, apesar de ter pensado que poderia se mais antigo do que a geração do meu avô! Grão de informação a grão de informação, vamos enchendo a nossa sacola com alguma sabedoria ...
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Re: Relógio de Fuso Inglês – ponteiro dos segundos central
Ter 16 Fev 2021, 22:39
@SquareWatch, já tinha saudades destes teus posts, fiquei entusiasmado com essa belezura de relógio! Mas onde raio vais tu desencantar essas coisas? Ficamos a aguardar os desenvolvimentos! Se bem que, mesmo em confinamento, de momento estou a "abrir" com trabalho! Mas arranjam-se sempre uns intervalinhos para cá vir!
PS: Tu em dois meses já vais em dois relógios? Fico muito preocupado mas é comigo, eu, em um mês e 15 dias, já vou em 21 ... vou começar a pensar seriamente em juntar-me aquele grupo que existe no WatchYouSeek, tipo alcoolicos anónimos ...
PS: Tu em dois meses já vais em dois relógios? Fico muito preocupado mas é comigo, eu, em um mês e 15 dias, já vou em 21 ... vou começar a pensar seriamente em juntar-me aquele grupo que existe no WatchYouSeek, tipo alcoolicos anónimos ...
- Duca749
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Re: Relógio de Fuso Inglês – ponteiro dos segundos central
Qua 17 Fev 2021, 00:39
21 @JPP
Então e não apresentas nenhum, isso quase que dá um de dois em dois dias.
Então e não apresentas nenhum, isso quase que dá um de dois em dois dias.
- JPP
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Re: Relógio de Fuso Inglês – ponteiro dos segundos central
Qua 17 Fev 2021, 10:18
Duca749 escreveu:21 @JPP
Então e não apresentas nenhum, isso quase que dá um de dois em dois dias.
Pois ... Claro que alguns deles são humildes pecinhas, mas mesmo assim!
Já apresentei alguns, tenho vários por estrear, hoje apresento um no Relógio do Dia!
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Re: Relógio de Fuso Inglês – ponteiro dos segundos central
Qua 17 Fev 2021, 17:58
JPP escreveu:PS: Tu em dois meses já vais em dois relógios? Fico muito preocupado mas é comigo, eu, em um mês e 15 dias, já vou em 21 ... vou começar a pensar seriamente em juntar-me aquele grupo que existe no WatchYouSeek, tipo alcoolicos anónimos ...
Eu sou um tipo poupadinho, mas ao mesmo tempo sou gastador... mas no fundo acho que sou é bipolar .
No início do ano estipulo que a conta bancária tem de crescer x% naquele ano e enquanto não atinjo esse objectivo ando sempre em stress. Só depois de atingir esse valor é que faço compras sem remorsos.
Também já pensei em aderir a esse grupo do WatchYouSeek, mas é impossível não cair na tentação. Para isso tinha de deixar de cá vir, encerrar as redes sociais, bloquear feeds no telemóvel, etc et al.
VINTE E UM!!!!
E consegue usá-los todos?! Tenho uma colecção com menos de 3 dúzias e alguns deles uso menos de 5x ao ano e ficou logo cheio de remorsos por não lhes dar a devida atenção.
floijdt escreveu:Ok. Está esclarecido.
É muito raro um relógio de finais do século XIX ainda ter um enrolador de fuso e não um tambor.
O sistema de fuso foi muito utilizado durante os séc. XVII, XVIII e início do XIX.
A relutância dos ingleses em abandonar o relógio de fuso, em detrimento de tecnologia e métodos de fabrico mais modernos, foi uma das causas que levou ao fim do seu "império" relojoeiro.
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Re: Relógio de Fuso Inglês – ponteiro dos segundos central
Qua 17 Fev 2021, 18:07
@SquareWatch, eu bem que gostava de ser como tu, quanto à conta bancária ... mas não consigo ...
E 21 usam-se sim, com jeitinho, vão-se estreando todos. Um deles, um Alpha Daytona, andei com ele 9 dias, mesmo assim! E é bom saber que temos sempre relógios para estrear ... é assim como "é bom saber que temos sempre comida no frigorífico" ...
E 21 usam-se sim, com jeitinho, vão-se estreando todos. Um deles, um Alpha Daytona, andei com ele 9 dias, mesmo assim! E é bom saber que temos sempre relógios para estrear ... é assim como "é bom saber que temos sempre comida no frigorífico" ...
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Re: Relógio de Fuso Inglês – ponteiro dos segundos central
Qui 18 Fev 2021, 18:22
Avançando um pouco com a investigação em torno deste relógio, hoje iremos abordar ao de leve o contexto histórico em que ele surgiu.
Breve, Reduzida e Simplificada História da Relojoaria Inglesa até ao final do séc. XIX
e da
Coventry Co-operative Watch Manufacturing Society
Parte I
A Relojoaria Inglesa
A origem dos relógios mecânicos portáteis é um pouco obscura, devido essencialmente à falta de registos documentais, mas também pelo facto de não resultar do génio criativo de um único indivíduo. Embora tradicionalmente se atribua essa invenção ao mestre relojoeiro de Nuremberga Peter Henlein, que em 1505 criou o primeiro "Ovo de Nuremberga" de que há registo (o relógio 1505).
Peter Henlein 1485-1522
A partir do sul da Alemanha, esta nova tecnologia espalhou-se pela Europa, acabando por dar origem a importantes centros de produção, com especial destaque para a França e os Países Baixos.
Relógio 1505 de Peter Henlein
As primeiras referências da existência de relojoeiros a operar em Inglaterra, surgem a partir de 1570. Contudo, estes primeiros artífices só esporadicamente se dedicavam à produção de relógios. Em vez disso empregavam-se sobretudo na reparação e manutenção de relógios produzidos na Alemanha, Suíça e França. E embora fosse possível encontrá-los em várias cidades da província, a maioria estava fixada na capital, Londres, onde residiam os mais abastados clientes.
Em 1685 Luís XIV de França assina o Edito de Fontainebleau, revogando o Edito de Nantes de 1598. Com este acto o rei abole a liberdade religiosa em França e todos os direitos legais que os Protestantes tinham no reino. Manda destruir as igrejas huguenotes, encerrar as escolas Protestantes e aumenta a pressão para que se convertam ao catolicismo ou abandonem o país.
Luís XIV
A (primeira) Emigração dos Huguenotes, por Jan Neuhuys
Estima-se que entre 200 a 500 mil protestantes abandonaram a Franca nas duas décadas seguintes, procurando refúgio em vários países do norte da Europa. Este êxodo foi extremamente nefasto para a economia francesa, mas bastante proveitoso para países de acolhimento como a Prússia e o Reino Unido, em especial. Muitos destes refugiados eram homens de negócios e artesãos qualificados que levaram consigo conhecimentos e técnicas inovadoras.
Distribuição dos Protestantes franceses pelos vários países no final do séc. XVII
Entre estes refugiados que aportaram nas costas de Inglaterra seguiam também mestres relojoeiros, alguns de grande habilidade e engenho, que contribuíram inequivocamente para o desenvolvimento e o afirmar da industria relojoeira inglesa. Um destes artífices foi Peter Debaufre, que em 1704 patenteou a técnica de aplicação de rubís num mecanismo para reduzir a fricção.
Ao longo do século XVIII, a Inglaterra iria dominar a produção de relógios de qualidade e as suas peças seriam consideradas as melhores do mundo. Foi durante esta centúria que trabalharam os mais célebres mestres relojoeiro ingleses (Thomas Tompion 1639-1713, George Graham 1638-1751, Thomas Mudge 1715-1794, John Harrison 1693-1776, etc.) e foram criadas algumas das mais importantes inovações.
À medida que os relógios se iam tornando cada vez mais sofisticados e complicados, começou a ser difícil para um único homem dominar todos os aspectos da produção e manter a actividade economicamente rentável. Adoptou-se então o princípio da divisão do trabalho.
Um artesão fazia uma parte do trabalho (p.ex. colar os rubís no mecanismo) e em seguida passava o mecanismo a outro artesão (p.ex. inserir a espiral no balanço) e assim sucessivamente até o relógio estar terminado.
Os artesãos eram altamente especializados, sendo por isso incapazes de desempenhar as funções uns dos outros. Além disso não tinham necessariamente de trabalhar todos debaixo do mesmo tecto, nem na mesma oficina. A maioria trabalhava nas suas próprias casas e não era incomum um relógio ter de atravessar uma povoação de lés-a-lés antes de estar pronto a ser vendido.
Em Inglaterra o principal centro produtor de mecanismos em bruto era a cidade de Prescot em Lancashire. E as principais comunidades de artesãos, encarregues de criar um relógio funcional, situavam-se nas cidades de Londres, Coventry, Liverpool e Birmingham - todas grandes cidades.
A Entrada em Cena da América
Durante os séculos XVII e XVIII o comércio global de relógios estava nas mãos da Inglaterra e da Suíça. Embora volumosos e pouco atraentes, os relógios ingleses eram reconhecidos pelo seu grau de precisão e qualidade de construção, cabendo aos suíços a produção de peças menos sofisticadas e mais acessíveis, mas esteticamente mais atraentes.
Enquanto os relógios de melhor qualidade eram absorvidos pelo mercado europeu, os colonos americanos tinham de se contentar com o refugo de má qualidade. Cedo perceberam que se queriam material de qualidade teriam de ser eles a fazê-lo.
A primeira grande aventura relojoeira americana começou na década de 1850 em Waltham, estado do Massachussetts, principal centro da Revolução Industrial Americana.
A industria mecânica americana vinha desenvolvendo métodos, ferramentas e máquinas que permitiam produzir peças metálicas de uma forma eficiente, precisa e de dimensões cada vez mais reduzidas. A conjugação destes avanços tecnológicos tornou possível a fundação em 1854 da Waltham Watch Company, responsável pela produção do primeiro relógio 100% americano.
Embora os primeiros anos tenham sido difíceis para a empresa, o despoletar da Guerra Civil Americana (1861-1865) e a demanda urgente de grandes quantidades de relógios precisos e acessíveis, indispensáveis para a coordenação dos ataques militares, impulsionou bastante a industria relojoeira norte-americana. O relógio europeu, barato e de baixa qualidade, já não tinha hipótese do outro lado do Atlântico.
Perturbados pelo rápido declínio das vendas, uma delegação suíça aproveitou a Exposição do Centenário Americano de 1876, para investigar o que os seus antigos e rentáveis clientes andavam a fazer, e ficaram chocados com o que descobriram
.
As máquinas da Waltham Watch Company eram capazes de produzir, de uma forma automática e em grandes quantidades, componentes para relógios com uma qualidade igual ou superior aos que eram produzidos na Suíça pelos melhores artesãos com décadas de experiência. As peças eram tão perfeitas que podiam ser aplicadas directamente num relógio sem necessitarem de mais nenhum acabamento.
Waltham modelo 1872
Mesmo usando mulheres e crianças mal pagas, era impossível aos suíços competir com os preços e a qualidade dos relógios americanos, pelo que rapidamente aderiram a este novo método de produção em grande escala, que baptizaram de "O Método Americano".
Embora algumas marcas ainda recorram ao trabalho infantil
(fonte)
O Príncipio do Fim
A batata quente acabou por cair na mão dos relojoeiros ingleses. Já não bastava a competição americana, agora também tinham os suíços a vender relógios ao preço da chuva, usando máquinas para produzir peças em série que depois eram montadas por trabalhadores mal pagos e semi-qualificados.
Ao contrário dos suíço, que rapidamente compreenderam que o futuro da sua indústria passava pela economia de escala, proporcionada pelo Método Americano, os ingleses resistiram obstinadamente à mudança.
O primeiro argumento usado foi o financeiro.
Era necessário investir grandes quantidades de capital para a compra de novas máquinas, que por sua vez levariam anos a recuperar o investimento. A indústria relojoeira inglesa assentava sobretudo em trabalhadores independentes e em micro e pequenas fábricas/oficinas sem recursos financeiros ou escala de operação que permitissem tal investimento.
O segundo argumento foi o da tradição.
Na década de 1820, os mestres relojoeiros ingleses apresentaram um novo design. Um relógio que combinava um sistema de escape de alavanca (English lever escapment), com um sistema de fuso e corrente que permitia que a corda exercesse uma força constante à medida que ia desenrolando, contribuindo para manutenção do isocronismo do relógio.
Este tipo de relógio, de manufactura tipicamente inglesa, foi adquirindo com o tempo um estatuto quase lendário, sendo reconhecido em todo o mundo como símbolo de prestígio e precisão.
O novo design parecia ser tão perfeito e os mestres relojoeiros estavam tão satisfeitos com a sua criação, que acharam que não havia necessidade de a aperfeiçoar.
Optaram por concentrar todos os esforços em atingir o máximo de refinamento na sua produção. Tornaram-se tão especializados a produzir este tipo de movimento que acabaram por cristalizar perante as novas descobertas e inovações, perdendo a capacidade de resiliência.
Embora fosse útil em cronógrafos ou relógios que exigissem um grande nível de precisão, o sistema de fuso tinha pouco significado para um relógio comum. A sua utilização contribuía apenas para aumentar a espessura do relógio e os custos de produção, dado ser um sistema de difícil fabrico, que não pode ser executado por máquinas automatizadas. Além de ser quase impossível integrá-lo com um sistema moderno de accionamento da corda (tige e coroa). Razão pela qual os relógios ingleses continuaram a usar o sistema de chave durante muitas e muitas décadas após este estar obsoleto, o que lhes conferia, no final do séc. XIX, um ar extremamente antiquado.
À esquerda relógio de fuso inglês (sem platina para permitir observação do sistema) e à direita relógio suíço do mesmo período.
Os americanos por seu lado, nunca usaram o sistema de fuso nos seus relógios de produção em massa e os suíços acabaram por o abandonar aquando da modernização da sua indústria, tendo optado por um sistema mais simples (o moderno tambor da corda / "going barrel").
Apesar de todas as evidências indicarem que estavam a ir no caminho errado, os relojoeiros ingleses não desistiram do relógio de fuso. Na ideia deles o consumidor associava este sistema a relógios de grande qualidade. Embora o mais certo era nem saberem o que era um sistema de fuso ou qual a sua importância. O que importava era o preço, o consumidor médio procurava relógios bons e baratos.
Quando mais tarde algumas empresas, como a Rotherham & Sons, tentaram automatizar a sua produção já era tarde de mais. Era uma luta perdida, a capacidade de produção dos maiores fabricantes ingleses era ridícula quando comparada à capacidade massiva das fábricas americanas. Nem mesmo conseguiam competir com os suíços, onde cidades inteiras se dedicavam à produção de relógios, com centenas, se não milhares de pequenas indústrias a lutar entre si para produzir o maior número de peças, da melhor qualidade possível, ao preço mais baixo.
Era impossível para as fábricas inglesas manterem-se competitivas e lucrativas contra a economia de escala dos seus principais concorrentes. Uma por uma acabaram por fechar portas ou mudar de actividade.
Outros factores, como a falta de aprendizes, aliciados por outras indústrias que praticavam salários e condições laborais mais apelativas, também tiveram a sua contribuição para o definhar da indústria inglesa. Contudo, penso que já não vale apena aprofundar mais o tópico, que já vai bastante longo e maçador.
Fim da Primeira Parte
Algumas das fontes:
Peter Henlein
Pocket Watch
Édito de Fontainebleau
Musée Protestant
The History of Watchmaking in England
British Watchmaking
English Watchmaking
History American Watchmaking
The Origins of Coventry's Watchmaking Industry
--x---X---x--
Isto foi o que aprendi nas últimas semanas sobre as origens da relojoaria inglesa. Não tive possibilidade de confirmar todas as fontes, por isso estejam à vontade para corrigir o que esteja incorrecto e/ou para adicionar mais pormenores.
Em seguida iremos falar sobre a história da companhia que produziu estes relógio, a Coventry Co-Operative Watch Manufacturing Society.
Obrigado e até breve.
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- JPP
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Re: Relógio de Fuso Inglês – ponteiro dos segundos central
Qui 18 Fev 2021, 18:38
Tenho de deixar esta leitura para logo @SquareWatch, estou em trabalho, mas cheira-me muito bem!
Só não percebi porque está uma senhora lá em cima a fazer um manguito!
Só não percebi porque está uma senhora lá em cima a fazer um manguito!
Sansoni7 gosta desta mensagem
- floijdt
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Re: Relógio de Fuso Inglês – ponteiro dos segundos central
Qui 18 Fev 2021, 18:54
O estudo promete.
Bom trabalho de pesquisa.
Parabéns!
Bom trabalho de pesquisa.
Parabéns!
- Tempus fugit
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Re: Relógio de Fuso Inglês – ponteiro dos segundos central
Qui 18 Fev 2021, 20:25
- Nuno Graça
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Re: Relógio de Fuso Inglês – ponteiro dos segundos central
Qui 18 Fev 2021, 22:24
Boa noite a todos , e os meus sinceros parabéns ao @SquareWatch por esta abordagem e pesquisa ,,,
Não sabia desta parte da Waltham que para mim até tem interesse por te um do meu bisavô ,,,,,
Estou ansioso pela II parte ,,,
Não sabia desta parte da Waltham que para mim até tem interesse por te um do meu bisavô ,,,,,
Estou ansioso pela II parte ,,,
- JPP
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Re: Relógio de Fuso Inglês – ponteiro dos segundos central
Sex 19 Fev 2021, 10:25
Muito bom @SquareWatch! Aguardamos o próximo capítulo!!
- SquareWatch
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Re: Relógio de Fuso Inglês – ponteiro dos segundos central
Sex 19 Fev 2021, 15:15
Obrigado a todos, ainda bem que gostaram .
Agora o difícil vai ser manter o padrão de qualidade e a inspiração para os próximos capítulos. Como diz o poeta:
Agora o difícil vai ser manter o padrão de qualidade e a inspiração para os próximos capítulos. Como diz o poeta:
"Cantando espalharei por toda parte,
Se a tanto me ajudar o engenho e arte."
Se a tanto me ajudar o engenho e arte."
@JPP escreveu:Só não percebi porque está uma senhora lá em cima a fazer um manguito!
É a "Rosie the Riveter" ou o cartaz do "We Can Do It!" . Foi uma forma de dar um colorido ao texto e destacar o empreendedorismo e a força produtiva da indústria americana.
Era esse poster ou um cartoon do George Washington a pontapear o John Bull de volta a Inglaterra. Como sou entusiasta da WW2 acabei por escolher a primeira opção.
Vamos lá ao trabalho a ver se tenho mais alguma coisa para o fim-de-semana.
- JPP
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Re: Relógio de Fuso Inglês – ponteiro dos segundos central
Sex 19 Fev 2021, 15:28
SquareWatch escreveu:@JPP escreveu:Só não percebi porque está uma senhora lá em cima a fazer um manguito!É a "Rosie the Riveter" ou o cartaz do "We Can Do It!" . Foi uma forma de dar um colorido ao texto e destacar o empreendedorismo e a força produtiva da indústria americana.
Era esse poster ou um cartoon do George Washington a pontapear o John Bull de volta a Inglaterra. Como sou entusiasta da WW2 acabei por escolher a primeira opção.
Está muito bem metido! Estava só na brincadeira!
- SquareWatch
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Re: Relógio de Fuso Inglês – ponteiro dos segundos central
Sáb 20 Fev 2021, 16:33
Breve, Reduzida e Simplificada História da Relojoaria Inglesa até ao final do séc. XIX
e da
Coventry Co-operative Watch Manufacturing Society
Parte II
Coventry Co-operative Watch Manufacturing Society
Em 1876, um grupo de artesãos relojoeiros da cidade de Coventry decidiu unir-se e fundar uma sociedade cooperativista, a Conventry Cooperative Watch Manufacturing Society (CCWMS). O seu objectivo era o de formar um fundo de capital a fim de melhor combaterem a crescente competição suíça e americana.
O logótipo da cooperativa é formado por uma cruz maltesa sobreposta pelo seu monograma. Não confundir com o logótipo da Coventry Watch Movement Company (CCWM), fundada em 1889. Enquanto a CCWMS refinava movimentos e montava relógios, a CCWM construía movimentos a partir de matéria prima em bruto.
A CCWMS tinha como principio norteador a manutenção dos antigos métodos de trabalho, das técnicas manuais e de todo o conhecimento adquirido ao longo de gerações. Os seus artesãos usavam apenas ferramentas e máquinas accionadas manualmente ou por pedal, opondo-se ao uso da nova maquinaria automática.
A qualidade do seu trabalho foi desde logo amplamente reconhecido. Os seus relógios eram construídos a partir de mecanismos em bruto, fornecidos essencialmente pela fábrica de John Wycherley da cidade de Prescot, sendo depois laboriosamente refinados e montados por uma equipa de artesãos.
fonte: The Co-operative Wholesale Society's - Annual, Almanack, and Diary for the year 1883.
Fonte: Store: A Trade Journal for Co-operative Societies, Volume 1 (1883-84)
Através do anúncio anterior, ficamos a saber qual era o custo do relógio em 1883: 5 libras e 5 shillings (versão normal) e £6 e 6s (versão em prata).
Em 1883 £6.60 equivaleriam a mais de £800 (>900€) actuais.
fonte
Apesar do grande sucesso e do entusiasmo inicial, durante a última década do séc. XIX o projecto já enfrentava algumas dificuldades. Os lucros foram caindo e as despesas foram aumentando.
fonte
Apesar das dificuldades causadas pela competição agressiva de americanos e suíços, a cooperativa conseguiu manter-se fiel à sua filosofia de trabalho até 1918, ano em que teve de encerrar portas.
Os seus relógios foram efectivamente os últimos de uma era, encerrando o domínio secular da relojoaria inglesa.
Só a loucura ou o desespero podiam levar estes homens, munidos de parcos recursos, a acreditar que poderiam fazer frente ao poderio industrial americano ou às "cidades fábrica" suíças.
Fim do
segundo capítulo
--x---X---x--
Agora só nos falta analisar a gravação na traseira.
Obrigado e até breve.
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- JPP
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Re: Relógio de Fuso Inglês – ponteiro dos segundos central
Dom 21 Fev 2021, 10:58
Muito bem, ficamos a aguardar o resto!
- SquareWatch
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Re: Relógio de Fuso Inglês – ponteiro dos segundos central
Ter 23 Fev 2021, 17:17
Acho que me vou matar
Desde as 9.30 da manhã a escrever até agora e não sei onde foi parar o tópico de finalização .
Desde as 9.30 da manhã a escrever até agora e não sei onde foi parar o tópico de finalização .
- Nuno Graça
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Re: Relógio de Fuso Inglês – ponteiro dos segundos central
Ter 23 Fev 2021, 18:29
Boas @SquareWatch realmente é de dar com a cabeça na parede !!! e ficar sem pinga de sangue ,,,,Acho que me vou matar
Desde as 9.30 da manhã a escrever até agora e não sei onde foi parar o tópico de finalização .
Já me aconteceu varias vezes isso neste fórum !! agora já não caio mais nessa , quando são textos maiores primeiro faço numa folha de Excel e depois copio para a pagina do fórum ... fica aqui a dica para não voltares a ter outro amargo de boca ...
Bem e força para voltar a por o texto de pé que estamos ansiosos por isso ,,
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- JPP
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Re: Relógio de Fuso Inglês – ponteiro dos segundos central
Ter 23 Fev 2021, 19:37
SquareWatch escreveu:Acho que me vou matar
Desde as 9.30 da manhã a escrever até agora e não sei onde foi parar o tópico de finalização .
Eia, é tão mau! Odeio quando isso me sucede! Vai, coragem @SquareWatch, vai em frente e esquece o passado!
- SquareWatch
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Re: Relógio de Fuso Inglês – ponteiro dos segundos central
Qua 24 Fev 2021, 01:38
Depois de 8h de escrita terem desaparecido misteriosamente no ciberespaço vou tentar replicar a obra de memória e desta vez só com um olho, pois entretanto consegui constipar um deles. Já pareço o Camões, mas ele teve mais sorte que eu, pois não teve de escrever os Lusíadas duas vezes .
Vamos lá então finalizar este tópico e descobrir quem foi o primeiro dono deste relógio.
Quem não tiver paciência pode saltar logo para o fim do texto. Eu gosto das coisas bem explicadas e contextualizadas, o que me leva a dar grandes voltas e por vezes divagar por outras matérias .
Capítulo III
-- A GRAVAÇÃO --
Verdade seja dita, a gravação na tampa guarda-pó foi o que me levou realmente a decidir por este relógio.
Para alguns poderá parecer macabro, mas adoro este jogo de pegar numa mão cheia de pistas e ir à procurar de uma pessoa desconhecida. Descobrir quem ela foi e poder "dizer-lhe" que o seu pequeno tesouro está de novo seguro, que encontrou um novo dono. Alguém que o apreciará e estimará como ele certamente o fez.
Todos os objectos estão conectados a pessoas, lugares e tempos. Os objectos estão impregnados de sentimentos, simbolismos e memórias, que estão relacionados com o contexto social onde foram criados. A pesquisa permite animar e trazer vitalidade ao objecto que de outro modo estaria morto, tornando-o único pela reactivação dos seus vínculos com o seu lugar de pertença. Desta forma, os objectos passam de utilitários a objectos de património [1] .
Presented to
Mr J*R*Melbille
by the members of the
Windy Nook
Cooperative Society
for his able & devoted management
Quem vê a inscrição de longe mais parece o catálogo de um gravador, tal é a profusão de fontes tipográficas utilizadas, o que não deixa de lhe conferir um ar castiço. Porém o estilo gótico utilizado no nome do homenageado criou-me alguns problemas. Aquele "Mr" seria mesmo a abreviatura de "mister" e seria "J*R*" ou "I*R"? Por isso optei por seguir outra pista. Sabia que o relógio tinha sido ofertado pelos membros da "Windy Nook Cooperative Society" ao seu gerente, "pela gestão devota e capaz".
Então toca a investigar que Sociedade era esta e quem era o seu gerente.
O COOPERATIVISMO NA INGLATERRA NO SÉC. XIX
O cooperativismo moderno tem a sua génese na sociedade inglesa do séc. XIX, sujeita ao impacto das transformações no mundo laboral, decorrentes da Revolução Industrial.
A economia, que desde a Idade Média era exercida por corporações de artesãos, que exerciam a sua actividade em casa ou numa pequena dependência anexa, passou por uma mudança radical com o advento da Era das Máquinas.
Famílias que até então desenvolviam o seu trabalho de forma artesanal nas antigas corporações e pequenas manufacturas, sendo incapazes de competir com o novo sistema capitalista de produção, são obrigadas a vender a sua força de trabalho em troca de um salário para poderem sobreviver. Ficando sujeitas à exploração e a condições sub-humanas impostas pelos patrões.
- Jornadas laborais de 16 e 18 horas;
- Condições insalubres de trabalho;
- Arregimentação de crianças (a partir dos 3 e 4 anos) e de mulheres como mão-de-obra barata;
- Trabalho precário, sem direitos e mal pago.
É neste ambiente de insatisfação e de revolta pela deterioração generalizada da qualidade de vida da classe operária, que surgem as primeiras organizações de trabalhadores (sindicatos, comités de fábrica, associações de operários, cooperativas de ajuda-mútua), denunciando abusos, reclamando e reivindicando por mudanças sociais, económicas e politicas.
Em 1844 um grupo de 27 tecelões e uma tecelã de Manchester decidiu criar a primeira cooperativa (moderna) de consumo da história, a Sociedade Equitativa dos Pioneiros de Rochdale (Rochdale Society of Equitable Pioneers). Uma sociedade sem fins lucrativos, que tinha como objectivo criar uma loja onde pudessem comercializar produtos de primeira necessidade, de boa qualidade [nota 2] e a preços acessíveis, que de outro modo não estariam ao alcance dos magros salários auferidos pela classe trabalhadora.
Obtiveram tanto sucesso que rapidamente sentiram necessidade de abrir mais lojas, servindo ao mesmo tempo como modelo de inspiração para a constituição de cooperativas semelhantes noutras cidades. Em 1900 eram já 1439 lojas, cobrindo virtualmente todo o Reino Unido.
A primeira loja da Sociedade Equitativa dos Pioneiros de Rochdale.
31 Toad Lane, Rochdale, Manchester.
Obtiveram tanto sucesso que rapidamente sentiram necessidade de abrir mais lojas, servindo ao mesmo tempo como modelo de inspiração para a constituição de cooperativas semelhantes noutras cidades. Em 1900 eram já 1439 lojas, cobrindo virtualmente todo o Reino Unido.
Para quem tiver paciência e gostar de história, uma longa metragem (com legendas em PT e tudo) sobre a formação da Sociedade Equitativa dos Pioneiros de Rochdale.
A Windy Nook Cooperative Society foi uma dessas cooperativas, formadas segundo o modelo usado pelos "Pioneiros de Rochdale".
- Nota 2:
Depois de ter lido o que li, não faço ideia como a população inglesa (e londrina em particular) não foi dizimada durante o século XIX, vítima de envenenamento colectivo.Entres os efeitos da Revolução Industrial encontra-se uma explosão demográfica nunca antes vista e a massiva migração da população rural rumo às cidades em busca de trabalho. Em Inglaterra a população urbana passou de 2 milhões de pessoas em 1800, para 20 milhões na viragem para o século XX. Londres viu o seu número de habitantes duplicar em 50 anos, sendo em 1850 a maior cidade que o mundo tinha visto até então, com mais de 2,6 milhões de habitantes.Como seria de esperar, esta grande e rápida concentração de pessoas trouxe vários problemas às cidades. Como abrigar toda esta população, fornecer-lhes água e alimento?Perante a grande procura de bens de primeira necessidade (indispensáveis para alimentar os novos moradores das cidades), os comerciantes viram uma oportunidade para maximizar de forma fraudulenta os seus lucros. Começaram a adulterar os produtos alimentares processados, substituindo alguns dos ingredientes por substitutos mais baratos e por vezes até letais.O pão era adulterado com gesso, farinha de feijão, giz ou alúmen. O alúmen, por exemplo, que é usado actualmente em detergentes, era usado para conferir mais peso e tornar o pão mais branco e atraente. Mas quem fala do pão também fala do rum e da cerveja com estricnina, dos picles com sulfato de cobre, do rapé e da mostarda com cromato de chumbo (carcinogénico). Para não falar do chá misturado com limalhas de ferro, pó, folhas usadas, chumbo, etc.Em resumo, a comida naquela época era literalmente de morrer!Quem quiser saber um pouco mais recomendo este vídeo bastante interessante... para não falar da apresentadora .
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WINDY NOOK COOPERATIVE SOCIETY
Windy Nook é uma jurisdição (penso que o equivalente em Portugal seja freguesia) da cidade de Gastehead, no condado de Tyne and Wear, no nordeste de Inglaterra.
Quis o destino que a 7 de Maio de 1874, um grupo de amigos de Windy Nook se tenha encontrado por acaso numas das ruas da povoação. No decorrer da conversa foi abordado o tema do cooperativismo e se não seria proveitoso abrir uma loja nestes moldes na localidade.
A 14 de Agosto de 1874, após uma série de reuniões e debates com a comunidade e depois de tratadas todas as questões inerentes à formação da cooperativa, abria finalmente a primeira loja da Windy Nook Cooperative Society.
O sucesso foi tão grande, que menos de 6 meses após a abertura já expandiam a loja com a inauguração de uma secção de venda de tecidos e material de costura. E em Julho de 1876, após um diferendo com o senhorio, mudavam-se para um novo edifício construído de raiz a expensas dos seus activos financeiros.
Muito provavelmente o relógio em questão não seria uma peça para usar só aos Domingos. Acredito que tenha passado muitos dias no interior desta nova loja.
Ao longo da sua história a Cooperativa foi sempre crescendo, abriu várias sucursais, absorveu e fundiu-se com outras cooperativas. Em 1969 passou a fazer parte da Newcastle upon Tyne Co-operative Society, que por sua vez foi absorvida pela The Co-operative Group (Co-op); a maior empresa do tipo cooperativo do Reino Unido e do mundo, com mais de 5,5 milhões de membros.
Pelo meio ainda foi palco de um assassínio, numa noite de Novembro de 1907. Quando 4 empregados decidiram, sem a ajuda da policia, montar uma embocada a um ladrão que já os tinha assaltado várias vezes. No meio da operação um dos funcionários, John Patterson, acabaria por ser baleado pelo assaltante, que seria depois preso e enforcado.
Vamos lá focar e falar do que realmente interessa ...
QUEM FOI O PRIMEIRO DONO DO RELÓGIO
Resumindo: sabia que o relógio tinha sido oferecido a um"J*R*" ou "I*R*" Melbille pelos membros da "Windy Nook Cooperative Society" pela sua "gestão devota e capaz".
Agora para além de saber que o Melbille que procurava era gerente de uma loja, também sabia em que condado ficava Windy Nook. Então toca a ir aos censos de 1881 procurar por ele.
A única pessoa que satisfazia todos os requisitos era um tal de James Robson Melville, de 23 anos. Que barraca!!!... ou os amigos ou o recenseador dos censos enganou-se a escrever o nome e trocou o "b" pelo "v". Se calhar um deles era um ex membro da colónia britânica do Porto .
Por sorte o maior historiador do condado de Tyne and Wear, John Oxberry, oi também o primeiro presidente da Windy Nook Cooperative Society. Em 1924, aquando do jubileu da cooperative, decidiu escrever um livro onde relata toda a história da instituição durante os primeiros 50 anos, livro esse que tive a sorte de encontrar .
Deste modo tive a certeza que o nome de James Robson era Melville e nao Melbille, a gravação no relógio está incorrecta.
Quem foi JAMES ROBSON MELVILLE?
Nasceu em 1854 na aldeia piscatória de North Sunderland (a cerca de 70 km de Windy Nook), em Northumberland (na fronteira com a Escócia).
Casou-se em 1877, com 23 anos, tendo esta união gerado pelo menos 5 filhos.
Antes de ir trabalhar para Windy Nook esteve empregado na Blaydon Co-operative Society. Tendo sido recomendado pelo próprio gestor da "Liga" das Sociedades Cooperativistas para ocupar o cargo de gerente da loja da Windy Nook Cooperative Society.
Começou a desempenhar as suas novas funções a 10 de Janeiro de 1878, tendo exercido o cargo de gerente até ao dia 31 de Dezembro de 1913.
O seu ordenado era de 30 shillings semanais, sendo £1 = 20 shillings. Caso tivesse sido ele a comprar o relógio teria de gastar o ordenado de 1 mês e meio (se não me enganei nas contas) para pagar as £6 e 6 shillings.
Desde a primeira hora impressionou toda a gente, quer pelos seus valores e características pessoais, como pelo modo como geria os interesses da Cooperativa.
Mesmo passados dez anos sobre a sua reforma, ainda era saudosa e carinhosamente recordado por quem tinha privado com ele.
in: "Windy Nook Village: it's inhabitants and their co-operative shop..."
Se dúvidas ainda houvesse, penso que esta fotografia acaba definitivamente com elas. O senhor Melville tinha cara de ser uma pessoa mesmo simpática (olhando bem até que se parece comigo , embora a minha expressão não seja tão amistosa... pareço eu nos tempos da faculdade ).
Consigo imaginá-lo a rir-se da cara desconsolada dos seus amigos e funcionários, quando lhes contou que o seu nome estava erradamente gravado no relógio.
J.R.Melville faleceu a 28 de Fevereiro de 1931 (está quase a fazer 90 anos). Desde então o seu corpo encontra-se sepultado no cemitério da sua terra natal, North Sunderland. Por ironia do destino o seu último repouso fica a poucos metros da loja cooperativista da localidade.
--x---X---x--
Últimas Considerações
Mas porque motivo ofereceram o relógio no dia 28 de Julho de 1883? Não era o seu aniversário natalício e já tinha completado 5 anos como gerente da loja da Windy Nook Society em Janeiro.
Foi então que reparei numa coincidência (ou não) curiosa.
O relógio tinha sido fabricado por uma sociedade cooperativista e tinha sido comprado pelos membros de uma outra sociedade cooperativista.
Veio-me depois à memória outro facto.
Todos os anos realizava-se uma Conferência das Sociedades Cooperativistas, sendo que durante o evento algumas das sociedades montavam "barraquinhas" onde exponham, promoviam e vendiam os seus produtos.
Em 1883 a conferência realizou-se nos dias 14,15 e 16 de Maio na cidade de Edimburgo, a pouco mais de 2h de comboio de Windy Nook.
Não seria descabido supor que uma delegação de Windy Nook se tenha deslocado à conferência e aproveitado a oportunidade para comprar/encomendar o relógio junto do expositor.
O espaço temporal que vai de Maio a Julho, poderia corresponder ao tempo que levou ao relógio ir da fábrica em Coventry até Windy Nook e/ou o tempo que o gravador levou para fazer o trabalho.
Acredito que o relógio tenha sido comprado para comemorar o 5.º aniversário de J.R.Melville como gerente da loja da Windy Nook Society. O atraso de 7 meses deveu-se provavelmente ao facto de terem decidido esperar pela realização da feira da conferência anual, com o intuito de conseguir realizar um negócio mais em conta, dado já termos visto que o relógio não era nada barato.
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Declaro encerrada mais uma empreitada.
Obrigado a todos pela paciência.
floijdt, Sansoni7 e JMagrus gostam desta mensagem
- Sansoni7
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Re: Relógio de Fuso Inglês – ponteiro dos segundos central
Qua 24 Fev 2021, 08:22
Uma delícia este tópico.
Obrigado!
Obrigado!
SquareWatch gosta desta mensagem
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