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LIP...LIP... Hourra! - Os Ventos do Maio de 1968.
Seg 04 Out 2021, 21:36
Saudações, caros colegas do "vício".
Infelizmente tenho andado arredado do fórum por questões profissionais, não me sobra tempo para nada. Mas aproveitando esta semaninha de férias, venho partilhar algumas novidades da minha colecção.
Virieu, François-Henri. "LIP: 100 000 relógios sem patrão".
Edição portuguesa: Assírio & Alvim. Novembro de 1974.
"Eram mil e duzentos. Mil e duzentos que trabalhavam numa fábrica de Palente, arredores um pouco tristes de Besançon. A fábrica era conhecida. Fabricava relógio há cento e seis anos. E desde 1917 fabricava também cabeças de foguetões para o exército e, desde 1969, máquinas e ferramentas. Os mil duzentos eram bem pagos. Até chegavam a ser um pouco invejados na região. Gostavam muito da sua fábrica e já se tinham habituado a encontrar-se todas as manhãs. Nunca haviam pensado que um dia lhes viessem dizer que se separassem e fossem procurar trabalho noutro sítio. É certo que, quando o delegados sindicais reclamavam aumentos de salários, eles ouviam responder: «Vocês vão fazer o barco afundar-se com as vossas exigências!» Mas todos os patrões diziam o mesmo, em França ou noutro lado qualquer, não é verdade? E, como simples operários, podiam verificar se o que lhes diziam era verdadeiro ou falso? Ensinaram-lhes a fabricar relógios. Nunca ler balanços.
"Numa manhã de Abril de 1973 os mil e duzentos acharam-se sós, primeiro abandonados pelos seus «proprietários» e seguidamente pelos outros chefes. Sozinhos numa fábrica que, de repente, se tornou demasiado grande para eles. Como interlocutores tinham estrangeiros, administradores provisórios. Provisórios e invisíveis. E quando chegaram estes «provisórios» era sempre para dar más noticias: compreendem, isto vai mal. Não vamos poder mantê-los a todos.
"Os mil e duzentos voltam-se então para Paris, donde são oriundas todas as boas e as más noticias. Mas Paris cala-se. Paris não sabe. Paris não quer saber. Era como se eles, os mil e duzentos de Besançon, não existissem. Então vão ter com os suíços, coproprietários da sua fabrica desde 1967, em Neufchâtel. Mas os suíços não querem dizer nada. Então eles desfilam em Besançon. E novamente começa: Paris, Besançon, Neufchâtel. Durante um mês. Quase dois.
"E, chega o dia em que os administradores judiciais são mais precisos. Certamente que o caso poderia ser resolvido mas na condição de se sacrificar o pessoal. Muito pessoal. É preciso começar imediatamente. Estamos a 12 de Junho: pois bem, será o último dia de pagamento de salário. Estupefacção. Cólera dos operários. querem fechar a fábrica. Mas ela pode perfeitamente funcionar como está. Para quê fechá-la? Eles mantê-la-ão aberta e vão ocupá-la . E irão ainda mais longe. Farão o que ainda ninguém fez antes deles. Produzirão relógios embora não tenham chefes para os orientarem nos seus gestos. Utilizarão as peças que existem na fábrica. Peças que aliás, os patrões se «esqueceram» de pagar antes de partirem precipitadamente, e que eles vão imediatamente guardar em lugar seguro e escondido fora da fábrica. E estes relógios, irão vendê-los após terem gravado em cima três pequenas letras. As mesmas três letras que se punham antes: LIP, nome desse patrão um pouco louco que montou todo o negócio, fez dele um grande negócio e depois foi-se embora, quase sem deixar morada. E, com o dinheiro das vendas, os operários pagarão a si próprios os salários que os administradores provisórios não lhes querem assegurar."
Fred Lipmann, neto de Emmanuel Lipmann (fundador da marca LIP)
[/center]
Alguma bibliografia:
https://www.versobooks.com/blogs/3871-socialism-in-one-factory
https://www.youtube.com/watch?v=3v_19_wRpe4
https://libcom.org/library/lip-and-the-self-managed-counter-revolution-negation
https://autonomies.org/2018/04/the-winds-of-may-68-in-france-the-lip-factory-takeover/
https://electric-watches.co.uk/makers/lip/lip-history/
https://ephemerajpp.com/2021/04/03/nucleo-do-tempo-do-ephemera-100-mil-relogios-sem-patrao-o-caso-lip/
https://www.publico.pt/2008/10/05/jornal/no-tempo-em-que-as-empresas-nao-eram-so-pecas-do-monopolio-278688
https://en.wikipedia.org/wiki/LIP_(company)#1973:_beginning_of_the_strike_and_demonstrations[/left]
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Infelizmente tenho andado arredado do fórum por questões profissionais, não me sobra tempo para nada. Mas aproveitando esta semaninha de férias, venho partilhar algumas novidades da minha colecção.
Virieu, François-Henri. "LIP: 100 000 relógios sem patrão".
Edição portuguesa: Assírio & Alvim. Novembro de 1974.
1974 ... literatura revolucionária .
"Eram mil e duzentos. Mil e duzentos que trabalhavam numa fábrica de Palente, arredores um pouco tristes de Besançon. A fábrica era conhecida. Fabricava relógio há cento e seis anos. E desde 1917 fabricava também cabeças de foguetões para o exército e, desde 1969, máquinas e ferramentas. Os mil duzentos eram bem pagos. Até chegavam a ser um pouco invejados na região. Gostavam muito da sua fábrica e já se tinham habituado a encontrar-se todas as manhãs. Nunca haviam pensado que um dia lhes viessem dizer que se separassem e fossem procurar trabalho noutro sítio. É certo que, quando o delegados sindicais reclamavam aumentos de salários, eles ouviam responder: «Vocês vão fazer o barco afundar-se com as vossas exigências!» Mas todos os patrões diziam o mesmo, em França ou noutro lado qualquer, não é verdade? E, como simples operários, podiam verificar se o que lhes diziam era verdadeiro ou falso? Ensinaram-lhes a fabricar relógios. Nunca ler balanços.
"Numa manhã de Abril de 1973 os mil e duzentos acharam-se sós, primeiro abandonados pelos seus «proprietários» e seguidamente pelos outros chefes. Sozinhos numa fábrica que, de repente, se tornou demasiado grande para eles. Como interlocutores tinham estrangeiros, administradores provisórios. Provisórios e invisíveis. E quando chegaram estes «provisórios» era sempre para dar más noticias: compreendem, isto vai mal. Não vamos poder mantê-los a todos.
"Os mil e duzentos voltam-se então para Paris, donde são oriundas todas as boas e as más noticias. Mas Paris cala-se. Paris não sabe. Paris não quer saber. Era como se eles, os mil e duzentos de Besançon, não existissem. Então vão ter com os suíços, coproprietários da sua fabrica desde 1967, em Neufchâtel. Mas os suíços não querem dizer nada. Então eles desfilam em Besançon. E novamente começa: Paris, Besançon, Neufchâtel. Durante um mês. Quase dois.
"E, chega o dia em que os administradores judiciais são mais precisos. Certamente que o caso poderia ser resolvido mas na condição de se sacrificar o pessoal. Muito pessoal. É preciso começar imediatamente. Estamos a 12 de Junho: pois bem, será o último dia de pagamento de salário. Estupefacção. Cólera dos operários. querem fechar a fábrica. Mas ela pode perfeitamente funcionar como está. Para quê fechá-la? Eles mantê-la-ão aberta e vão ocupá-la . E irão ainda mais longe. Farão o que ainda ninguém fez antes deles. Produzirão relógios embora não tenham chefes para os orientarem nos seus gestos. Utilizarão as peças que existem na fábrica. Peças que aliás, os patrões se «esqueceram» de pagar antes de partirem precipitadamente, e que eles vão imediatamente guardar em lugar seguro e escondido fora da fábrica. E estes relógios, irão vendê-los após terem gravado em cima três pequenas letras. As mesmas três letras que se punham antes: LIP, nome desse patrão um pouco louco que montou todo o negócio, fez dele um grande negócio e depois foi-se embora, quase sem deixar morada. E, com o dinheiro das vendas, os operários pagarão a si próprios os salários que os administradores provisórios não lhes querem assegurar."
in: Virieu, François-Henri. "LIP: 100 000 relógios sem patrão".
Edição portuguesa: Assírio & Alvim. Novembro de 1974.
Edição portuguesa: Assírio & Alvim. Novembro de 1974.
Fred Lipmann, neto de Emmanuel Lipmann (fundador da marca LIP)
e último membro da família à frente dos destinos da empresa.
Este «pequeno» excerto do livro de François-Henri de Virieu (100.000 Relógios sem Patrão), dá-nos uma ideia do que foi o a luta dos trabalhadores da LIP para tentarem salvar os seus postos de trabalho.
Pela primeira vez na história os trabalhadores não suplicaram por empregos. Em vez disso ocuparam a «sua» fábrica, fruto do seu trabalho e habilidade. Expropriaram toda a matéria prima existente nas instalações, escondendo-a em locais seguros e secretos, e iniciaram eles próprios a produção e venda de relógios que iriam assegurar o pagamentos dos seus salários.
[/left]Este «pequeno» excerto do livro de François-Henri de Virieu (100.000 Relógios sem Patrão), dá-nos uma ideia do que foi o a luta dos trabalhadores da LIP para tentarem salvar os seus postos de trabalho.
Pela primeira vez na história os trabalhadores não suplicaram por empregos. Em vez disso ocuparam a «sua» fábrica, fruto do seu trabalho e habilidade. Expropriaram toda a matéria prima existente nas instalações, escondendo-a em locais seguros e secretos, e iniciaram eles próprios a produção e venda de relógios que iriam assegurar o pagamentos dos seus salários.
Em 6 semanas iriam vender o equivalente a meio ano de um ano normal, graças a uma hábil campanha de marketing e ao crescente interesse da população francesa pelo insólito caso. Tendo sido produzidos no decorrer dos 9 meses de luta constante entre trabalhadores, accionistas e governo cerca de "100.000 relógios sem patrão".
Banca de venda de relógios produzidos clandestinamente pelos operários da LIP.
[center]
O próprio autor do livro menciona que é o proprietário de um desses relógios, com o número de série 117666.
O meu com o número de série 166208, podia muito bem ser um desses relógios, mas o modelo do mecanismos estragou .
[left]Julgo que o movimento é um Duromat 7525/1 (INT) ou 7525/2 (INT), produzido pela Durowe (empresa alemã) no ano de 1975.
[center]
Está a precisar de um limpeza e revisão urgente.
E aqui está ele no catálogo da LIP de 1975.
Com um preço de 395 francos (aprox. 450 dólares actuais),
estava no topo da gama média da marca.
Em Março de 1974 a luta chegaria ao fim, a fábrica seria adquirida por um empresário francês, Claude Neuschawander, que se comprometeria em garantir todos os postos de trabalho e relançar a empresa.
Apesar do sucesso do projecto desenvolvido por Neuschawander a fábrica iria entrar em insolvência em 1977, alvo de pressões por parte dos accionistas suíços e do próprio governo francês. Mas isso já são outras histórias .
Para fazer "pendant" com o livro comprei o meu primeiro LIP vintage. Que podia muito bem ser um dos "100.000 relógios sem patrão"... pensava eu .
Apesar do sucesso do projecto desenvolvido por Neuschawander a fábrica iria entrar em insolvência em 1977, alvo de pressões por parte dos accionistas suíços e do próprio governo francês. Mas isso já são outras histórias .
Para fazer "pendant" com o livro comprei o meu primeiro LIP vintage. Que podia muito bem ser um dos "100.000 relógios sem patrão"... pensava eu .
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O próprio autor do livro menciona que é o proprietário de um desses relógios, com o número de série 117666.
O meu com o número de série 166208, podia muito bem ser um desses relógios, mas o modelo do mecanismos estragou .
[left]Julgo que o movimento é um Duromat 7525/1 (INT) ou 7525/2 (INT), produzido pela Durowe (empresa alemã) no ano de 1975.
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Está a precisar de um limpeza e revisão urgente.
E aqui está ele no catálogo da LIP de 1975.
Com um preço de 395 francos (aprox. 450 dólares actuais),
estava no topo da gama média da marca.
[left]Fiquem bem .
Locutus sum
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Alguma bibliografia:
https://www.versobooks.com/blogs/3871-socialism-in-one-factory
https://www.youtube.com/watch?v=3v_19_wRpe4
https://libcom.org/library/lip-and-the-self-managed-counter-revolution-negation
https://autonomies.org/2018/04/the-winds-of-may-68-in-france-the-lip-factory-takeover/
https://electric-watches.co.uk/makers/lip/lip-history/
https://ephemerajpp.com/2021/04/03/nucleo-do-tempo-do-ephemera-100-mil-relogios-sem-patrao-o-caso-lip/
https://www.publico.pt/2008/10/05/jornal/no-tempo-em-que-as-empresas-nao-eram-so-pecas-do-monopolio-278688
https://en.wikipedia.org/wiki/LIP_(company)#1973:_beginning_of_the_strike_and_demonstrations[/left]
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Sansoni7 e Duca749 gostam desta mensagem
- filipe cunha
- Mensagens : 821
Data de inscrição : 11/11/2017
Re: LIP...LIP... Hourra! - Os Ventos do Maio de 1968.
Seg 04 Out 2021, 22:38
Algo mais sobre o assunto....
https://musee-lip.fr/1960-62-1981-lusine-lip-de-palente-le-reve-de-fred-lip/
Por acaso Besançon e o Museu de Morteau estão nos meus projetos de visita no proximo ano
https://musee-lip.fr/1960-62-1981-lusine-lip-de-palente-le-reve-de-fred-lip/
Por acaso Besançon e o Museu de Morteau estão nos meus projetos de visita no proximo ano
- m84Moderador
- Mensagens : 3330
Data de inscrição : 07/04/2015
Re: LIP...LIP... Hourra! - Os Ventos do Maio de 1968.
Ter 05 Out 2021, 10:06
Já sentíamos falta destes teus posts @SquareWatch! Gostei muito de ler e ficar a conhecer um pouco mais de algo que desconhecia por completo! Conhecia a marca de nome e alguns modelos apenas, mas isto dá-lhe outro interesse.
O relógio também parece giro, e com uma cor que tem sido usada por algumas marcas da atualidade. Dá para ver em maior?
O relógio também parece giro, e com uma cor que tem sido usada por algumas marcas da atualidade. Dá para ver em maior?
- Nunogoncalves
- Mensagens : 683
Data de inscrição : 09/01/2020
Re: LIP...LIP... Hourra! - Os Ventos do Maio de 1968.
Qua 06 Out 2021, 15:02
Muito bom, @SquareWatch! Obrigado pela partilha.
Mas ainda são vendidos relógios LIP hoje em dia. É mais um daqueles casos em que alguém adquiriu os direitos da marca e pôs-se a lançar relógios com esse nome (tipo Cauny, Smiths, etc.)?
Mas ainda são vendidos relógios LIP hoje em dia. É mais um daqueles casos em que alguém adquiriu os direitos da marca e pôs-se a lançar relógios com esse nome (tipo Cauny, Smiths, etc.)?
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